terça-feira, 29 de maio de 2012

Deformação de Gestores

        A todo semestre faço contato com calouros do curso de graduação em Administração. Lecionando para eles, imaginava poder evitar aquilo que considerava uma deformação dos futuros gestores: acreditar piamente na falsa verdade de que o papel do gestor é lutar apenas pelos interesses da empresa, sempre centrados na busca de lucro e nada mais. Quando ensinava Ética nos Negócios, tema que para muitos é uma contradição, pois ou se tem ética ou se toca os negócios, recebia alunos prestes a se formarem e dentre eles também já estava naturalizada a inverdade de que as empresas só pensam em levar vantagem, pois essa seria a lei do mercado. Para meu espanto, agora ensinando para os calouros, logo na primeira semana de aula já ouço o mesmo discurso.
Essa mentira está naturalizada na sociedade e não apenas nas universidades e seus educadores, que já faz muito tempo, deixaram de ser educadores para meros formadores de mão de obra, extremamente qualificada tecnicamente e desqualificada ética e humanisticamente. Aprendemos que “amigos são amigos, negócios a parte” e passamos  a imaginar que as empresas e os mercados são instâncias independentes da vida em sociedade, dos laços familiares e da moralidade. Quando, no ambiente de negócios, traços de amizade, carinho e altruísmo se manifestam, nosso olhar cansado pela lente que só enxerga progresso no exterior e retrocesso no Brasil, teima em chamar isso de atraso e falta de competência técnica. O gestor eficiente seria talhado na dura frieza do “vil metal”. O discurso inverso do gerente humano nas empresas também não convence ninguém, pois na maioria dos casos não passa de cinismo em busca de mais lucro pelo lucro.
 A verdade é que nenhuma empresa é tão poderosa, mesmo as multinacionais que por anos deitaram e rolaram no Brasil, a ponto de conseguir realizar todos os seus interesses em prejuízo da sociedade. Leis mais rígidas quanto aos impactos sociais e ambientais das empresas encurralam os gestores. ONGs combativas alcançam a mídia e mobilizam milhares de pessoas, obrigando as empresas a alterarem sua compreensão do mundo e suas práticas de negócio. Novas gerações de talentos chegam ao mercado de trabalho com uma visão de compromisso social e ecológico, obrigando as empresas a se transformarem para retê-los.
Mas, para os que ainda não se convenceram, encerro esse artigo com o melhor que a tradição pode nos traz. É das mesmas terras que nos brindaram com o melhor uísque do mundo, a Escócia, que permanecem as ideias de um filósofo moral que ficou conhecido como pai da Economia, Adam Smith. Ele, ao contrário do que todos imaginam, nunca disse que as empresas só devem visar o lucro e nada mais. As empresas que só maximizam seus lucros não conseguem provar para a sociedade que são úteis e desaparecem, pois os mercados se sustentam sob um grande pilar, a confiança. Os abalos sísmicos na economia global desde 2008 são prova disso. Que o futuro nos brinde com novos e melhores gestores. O planeta agradece.
Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . Deformação de Gestores. Hoje em Dia, Belo Horizonte, p. 1 - 1, 23 fev. 2012.

2 comentários:

  1. Teo, sua semente não foi em vão. Você me deu aula na PUC, no primeiro período de Administração (2º Sem. 1999). Na empresa que hoje trabalho, muito se tem mudado em relação a novos conceitos imputados por mim e outras pessoas, que sabem que a satisfação de trabalhar não vem direcionada por rédeas de lucro e remuneração, apenas. Aprendi muito a valorizar pessoas e a sociedade. Por isso meu amigo, ainda que hoje o discurso seja o mesmo de anos atrás, isso não pode mudar o fato de que temos que continuar semeando. Parabéns pelo Blog, já acompanhava mas só agora resolvi comentar. Um abraço, Gilmar.

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  2. Obrigado, querido Gilmar. Fico feliz em saber que a semente caiu em boa terra, frutífera. Tudo de bom e muito sucesso, sobretudo nas suas realizações para sustentabilidade e pela responsabilidade socioambiental.

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