sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Avaliação Fictícia

Janeiro é tradicionalmente o mês das promessas. Depois da esbórnia das festas de fim de ano, vêm uma série de planos, muitos deles decorrentes de uma revisão apressada e mal feita sobre o que realizamos no ano anterior. Entre as organizações não governamentais a realidade parece ser a mesma.

Não há profissional de programas sociais que seja contrário à avaliação. Todos constroem um discurso que associa a avaliação à transparência, controle social, democratização de informações e capacidade de reposicionar ações rumo à efetividade, tão sonhada e tão distante em muitos dos projetos. Não se pode negar que avaliações bem feitas são esteio para todos esses processos de avanço da cidadania. No entanto, existem grandes abismos entre o desejo de avaliar e a compreensão precisa do que aconteceu nos projetos.

Vários fatores tornam a avaliação de programas sociais inconsistente, alguns deles ligados a determinadas situações, que em tese podem ser evitadas ou contornadas, e outros ligados a elementos estruturais, sendo impossível eliminá-los. Não se pode negar que avaliação é como pimenta, “boa apenas nos olhos dos outros”, e que nunca deixará de ser isenta de interesses, valores e lutas políticas.

Avaliações que envolvem apenas uma parte dos atores envolvidos nos projetos sociais, deixando de lado a cúpula gestora, são muito freqüentes no universo das organizações não governamentais, governamentais e empresariais. Isso acaba por fazer com que, sob a aura da transparência e do acesso democrático às informações, seja reforçada uma dinâmica centralista e autoritária. Ou se avalia a todos, em todos os níveis hierárquicos simultaneamente, ou não se avalia nada; até mesmo porque, em muitos desses processos que deixam de lado os gestores, os demais avaliados acabam desenvolvendo ações para resistir aos mecanismos que culpam trabalhadores da linha de frente e público beneficiário pelos problemas encontrados. O mesmo se dá na relação entre financiador e financiado.

Outro problema da avaliação de projetos atualmente é que ela se transformou em idéia fixa na cabeça dos responsáveis por intervenções empresariais nos problemas sociais. As empresas, na maioria das vezes, associam aos governos a incapacidade de alcançar resultados e às ONGs a impossibilidade técnica de bem gerenciar. Nada mais distante da realidade do que imaginar o mundo assim simploriamente organizado. Ao mesmo tempo em que defendem essa meia verdade sobre projetos sociais, muitas corporações sequer conseguem avaliar suas performances em mercados competitivos. Além disso, empresas estão acostumadas a avaliar eficiência (fazer bem feito e pelo menor custo) e eficácia (fazer a coisa necessária), mas pouco ou nada sabem sobre efetividade (alcançar a maioria da população afligida pelo problema social em questão) e impacto (gerar resultados duradouros e de longo-prazo).

Tudo isso torna a avaliação de projetos sociais mera ficção na realidade brasileira: eu finjo que sou avaliado e você finge que me avalia. No entanto, na compreensão do público beneficiário brasileiro, que há décadas deixou de ser aquele pobre passivo e desinformado que muitos imaginam, existe uma avaliação e ela, mesmo desconhecida por muitos, é que diz cotidianamente o que tem dado certo e o que tem dado errado nos projetos sociais. Resta aos gestores aprenderem a melhor ouvi-los.


Publicação original: Teodósio, A. S. S. Avaliação Fictícia. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 26/01/2012, p. 7.

Um comentário:

  1. Obrigado, Webston.
    Espero que sempre visite o blog e que ele possa inspirar bons diálogos e reflexões sobre Gestão Social.

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