quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mulheres Voluntárias: Razões para celebrar, desafios a enfrentar

Março é marcado não só pelo fim do carnaval, mas também pela comemoração do Dia Internacional da Mulher. Vitórias, conquistas e lutas a parte, é também o tempo para se repensar o avanço das mulheres na vida social contemporânea. Um dos aspectos mais significativos desse avanço é a presença maciça de mulheres à frente de organizações não-governamentais (ONGs) e do trabalho voluntário no Brasil e no mundo. Especialmente no caso brasileiro, as mulheres são maioria absoluta entre os voluntários. 

Quando se fala de trabalho social estamos acostumados a pensar em instituições filantrópicas, marcadas pelo caráter assistencialista de suas práticas e pelo carinho que transborda da própria forma como essas mulheres tratam daqueles que são assistidos pelos projetos sociais.

Mas uma nova forma de trabalho voluntário feminino também tem ganhado muito espaço no Brasil das últimas décadas. São executivas de grandes e médias empresas, que se dedicam a apoiar ONGs, emprestando seu talento gerencial para diferentes tarefas que desafiam a sobrevivências dessas instituições.  

Minha experiência como professor e pesquisador de Ética nos Negócios mostra que quando se indaga às pessoas sobre a posição das mulheres no mercado de trabalho, parcela significativa afirma que o sexo feminino alcançou igualdade de condições com os homens. Tenho ouvido com freqüência que as mulheres, quando chegam ao poder, são mais produtivas, efetivas, dedicadas e profissionais que os homens. 

Superdimensionar as qualidades das mulheres no trabalho não passa de uma forma invertida de dar vazão ao preconceito. Conhecemos bem essa realidade quando pensamos nos negros que alcançaram posições de destaque em nossa sociedade. Quantas vezes o brasileiro não se cansa de dizer que Pelé é extraordinário. Claro, é muito difícil para uma sociedade preconceituosa reconhecer seu próprio preconceito. Negros e mulheres, quando alcançam lugares de destaque, o fazem porque são excepcionais.  

Junto com essa verdadeira mitificação da mulher no mercado de trabalho, aparecem objeções ao que muitos imaginam ser um desvio da boa postura feminina: mulheres que são duras e severas nas decisões, competitivas, focadas excessivamente no trabalho e que acabam se distanciando da imagem doce que o imaginário machista criou em torno da mulher. Ainda assim, essas mulheres “duras na queda” continuam exercendo atividades voluntárias e encontrando um espaço semanal na apertada jornada de trabalho, que não raras as vezes excede as quatorze horas diárias. Algo na vida dessas mulheres executivas acaba ficando para trás, pois conciliar extensas jornadas de trabalho com trabalho doméstico e atividade voluntária não é o que poderíamos chamar de uma tarefa simples. 

No entanto, se a vida das executivas não é exatamente um bom exemplo para se comemorar as conquistas femininas ao longo dos últimos anos, o cotidiano das mulheres pobres vem reforçar a idéia de que muito ainda se tem para avançar na igualdade entre sexos nos países em desenvolvimento, especialmente no Brasil. 

Há menos de duas décadas atrás era prática comum em uma grande empresa sediada em Contagem ter apenas mulheres trabalhando na produção, enquanto todas as gerências, mesmo as de menor escalão, eram ocupadas por homens. Receio reconhecer que essa realidade empresarial era e ainda é muito comum entre nossas empresas e até mesmo no serviço público. Um estudo recente do governo federal mostra que as mulheres passaram a ocupar muito mais cargos gerenciais na máquina pública, mas a maioria absoluta delas nos níveis inferiores da hierarquia organizacional.

Realidade mais dura ainda diz respeito à vida das mulheres com empregos precários e desempregadas. Para elas só resta a alternativa do trabalho voluntário. Antes de uma opção, como no caso das executivas, é uma das poucas chances de sobreviver à dura realidade colocada pela exclusão social e econômica. Cooperativas de trabalhadoras, ONGs e projetos sócio-culturais liderados por mulheres se multiplicam nos locais onde o Estado pouco faz pelos pobres.

Essas mulheres, de rosto sofrido, tão bem retratadas em várias fotos do brasileiro Sebastião Salgado, têm realizado uma revolução silenciosa e muito mais efetiva para a igualdade entre sexos do que o trabalho das executivas. Geralmente, são elas as chefes do que se chama de “família ampliada” e cuidam do orçamento doméstico com muito mais competência do que os homens, que passaram por suas vidas e as abandonaram. Para quem duvida disso, é importante conhecer a experiência dos bancos populares na Índia, que só emprestam dinheiro mediante a assinatura das mulheres.

Tais mulheres indianas lideram sozinhas suas famílias, formadas por filhos de diferentes pais e sobrinhos, netos e filhos de amigas, que vieram morar em suas casas. A experiência delas conseguiu mostrar ao mundo que mulheres pobres, mesmo vivendo em condições sociais desfavoráveis, podem sair da pobreza honrando seus compromissos, sem tornar inviável aos bancos emprestar com baixíssimas taxas de juros. Talvez o sistema bancário brasileiro precise aprender mais com as mulheres pobres da Índia do que com as grandes executivas, que contratam com cada vez mais freqüência.

Todas essas histórias fazem parte do mosaico da luta da mulher por um lugar mais igualitário na sociedade. Diante dos avanços do sexo feminino na nossa sociedade, hoje parece difícil acreditar que a mulher, há menos de cem anos atrás, não tinha direito ao voto em vários países. Tomara que em um futuro não tão distante tenhamos dificuldade em acreditar que para as mulheres pobres de nossa época não bastou votar, foi preciso escolher a única alternativa disponível para sair da miséria: o trabalho voluntário.
  
Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. Mulheres Voluntárias: razões para celebrar, desafios a enfrentar. In: Circuito Notícias. Brumadinho: Circuito Notícias, ano 12, edição 139, 04/2006, p. 2.

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