quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Intersetorialidade: abismos entre o discurso e a prática avançada

O discurso da intersetorialidade tem encontrado eco no discurso de várias lideranças políticas, movimentos sociais e gestores públicos. Mesmo que não se use essa expressão, ela aparece de forma subliminar em vários documentos da própria prefeitura de Brumadinho. Dando continuidade a uma série de escritos que pretendem contribuir para o debate e a construção de propostas de governo na disputa eleitoral pelo poder municipal na cidade, o presente artigo se propõe a discutir a intersetorialidade, suas possibilidades e seus dramas e tramas na gestão pública local.

Um dos últimos jornais da prefeitura fala a todo momento em parcerias e articulações com organizações não-governamentais e empresas na oferta de serviços públicos. Esse informativo mais parece uma peça publicitária, com informação em excesso, elogios rasgados à atual gestão e poucos dados que contribuam consistentemente para formação cidadã da população, visto que só discute boas ações e não os problemas, desafios e a realidade concreta de muitos dos supostos grandes projetos desenvolvidos.

Intersetorialidade pode ser entendida em duas dimensões diferentes. A primeira delas originalmente nasceu das discussões sobre a reforma do Estado e as estratégias para tornar a máquina pública mais eficiente, eficaz e efetiva na provisão de políticas públicas. Nessa esfera, intersetorialidade significa articular diferentes órgãos e áreas do governo, de forma a desenvolverem uma atuação integral e complementar nos serviços que oferecem à população. Seria uma tentativa de gastar menos recursos, focalizar esforços e gerar resultados consistentes. Um exemplo poderia ser o desenvolvimento de ações integradas das secretarias de transportes, meio ambiente e obras, a partir de equipes multidisciplinares e com profissionais de diferentes áreas, com vistas a oferecer soluções nesses três campos simultaneamente.

Uma pergunta que não quer calar sobre esse tipo de intersetorialidade na gestão da prefeitura de Brumadinho é até que ponto sua existência é concreta e, sendo concreta, até que ponto funciona. Os que afirmam que as normas legais de gestão de pessoas no poder público não facilitam ou até mesmo impedem a intersetorialidade desconhecem a legislação a fundo e tentam escamotear o maior problema dessa perspectiva de intersetorialidade: a vontade política de colocar equipes com formações diferentes para dialogar e implementar não só no papel, mas na prática, ações que sejam efetivamente articuladas. Enquanto isso, Brumadinho vai perdendo o bonde da história na educação, na saúde e na cultura, para não falar do meio ambiente, dos transportes e do desenvolvimento sustentável. Se um município do tamanho de Brumadinho, com um corpo funcional concursado infinitamente menor frente ao do governo federal não consegue implementar políticas de intersetorialidade, estados e países poderiam desistir dessa idéia. Mas não é bem isso que acontece pelo mundo afora, inclusive em vários casos no Brasil.

Outra noção de intersetorialidade diz respeito à articulação entre os chamados três setores: primeiro (Estado), segundo (empresas) e terceiro (organizações não-governamentais e da sociedade civil). Essa perspectiva, mais recente, encontra ecos em vários discursos pró democratização profunda do governo, co-responsabilização de empresas e instituições da sociedade na solução dos problemas socioambientais e uso mais eficiente de recursos públicos e privados para a coletividade. Os desafios dessa dimensão de intersetorialidade são muitos e na maioria das vezes ficam encobertos no discurso oficial que só vê o lado positivo de se realizar projetos em parcerias com empresas e ONGs em Brumadinho.

Quando faltam ao Estado programas e projetos sólidos, bem planejados e com objetivos cívicos claros, a intersetorialidade pode servir para encobertar várias malezas e produzir outras mais. Obter recursos de empresas e aplicá-los em projetos sociais pode servir para desviar a atenção da população quanto ao gasto perdulário e incompetente de recursos públicos por parte da prefeitura. Pode também resultar na captura da democracia e na imposição de projetos de empresas poderosas e ONGs de grande porte sobre os anseios da população.

Infelizmente, não só a boa intersetorialidade (na sua segunda dimensão) está acontecendo em Brumadinho. Junto com ela vêm projetos pré-formatados de grandes empresas e ONGs poderosas, que afirmam beneficiar a população. O poder municipal, que como representante eleito da população deveria zelar pelos interesses do município, parece estar pouco disposto e comprometido com isso. O que poderia ser construir junto, vira construir para. Essa pequena diferença é essencial. O resultado final é um jornal propagandístico da prefeitura cheio de belas fotos, mas talvez nem tanto de belos fatos. E a democracia vai ruindo. Os candidatos ao cargo de cacique municipal máximo, tão cobiçado por tantos, deveriam ter respostas consistentes a esses desafios. Mas será que terão? Fazer um município diferente e próspero não é tão difícil quanto parece, ainda mais com o orçamento, os recursos humanos e as riquezas naturais de que dispõe Brumadinho. A intersetorialidade pode ser ajudar a encontrar esse caminho virtuoso, mas desde que pensada como estratégia de governo e não como ação oportunística para dar visibilidade publicitária às vésperas das eleições que se aproximam.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. Intersetorialidade: abismos entre o discurso e a prática avançada. Circuito Notícias, Brumadinho, p. 2 - 2, 31 out. 2007.

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