quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Brumadinho, como vamos?: qual resposta ofereceremos?

A Colômbia é conhecida no mundo pela excelência de seu café e também pela qualidade de outras substâncias ilícitas que os abastados teimam em injetar continuamente em suas veias. Há dez anos atrás, Bogotá, capital colombiana, era uma cidade martirizada pelas chagas da criminalidade, degradação dos espaços públicos, políticas públicas insuficientes e ineficientes e grande descrença de seus moradores quanto a viver e conviver nesse espaço urbano. Sua imagem internacional, assim como Cáli e outras cidades colombianas, era de refúgio seguro de traficantes que encurralavam o governo, deixando aberto o espaço público para a criminalidade. Hoje, a cidade exporta experiências de gestão pública e envolvimento dos cidadãos nas discussões sobre o futuro da cidade. Espaços públicos foram reconquistados pela sociedade, que encurrala a criminalidade, mostrando ao mundo e a vários municípios brasileiros que se pode reduzir significativamente a violência em paralelo à expansão do respeito aos direitos humanos e a participação dos cidadãos no controle da gestão pública.

Várias cidades brasileiras têm se articulado para caminhar em direção ao que se produz e reproduz atualmente em Bogotá. Não apenas municípios de grande porte como São Paulo e Rio de Janeiro já apresentam grupos e movimentos articulados para monitorar políticas públicas desenvolvidas pelas prefeituras, mas também cidades de menor porte, como Teresópolis no território fluminense, implementaram iniciativas semelhantes. Belo Horizonte, na esteira dessas iniciativas, já começa a se articular e as perspectivas são bastante promissoras. O que acontecerá com Brumadinho? Novamente vai se perder o bonde da história de sonhos e realizações na construção de uma cidade melhor?

O controle social da administração pública desenvolvido pelos bogotanos envolve a sistematização e produção de uma série de indicadores (14 atualmente) sobre diferentes áreas das políticas públicas que se desenvolvem na cidade. Meio ambiente, saúde, segurança, educação, transporte e outros temas são monitorados a partir de bases de dados confiáveis e capazes de revelar detalhes positivos e negativos da cidade que, muitas vezes, são imperceptíveis ou mal compreendidos pelos moradores, absorvidos por suas preocupações cotidianas. Tanto em Bogotá, quanto em São Paulo, além da sistematização de indicadores e a sua publicização através de uma extensa rede de comunicação, são feitas pesquisas regulares sobre a percepção daqueles que vivem e trabalham nessas cidades acerca do que pensam e sentem com relação ao seu município.

Em Bogotá, depois de uma década da experiência, grupos sociais se articularam e se tornou letra de lei a obrigatoriedade de depósito dos programas dos candidatos à prefeitura, se comprometendo diretamente em trabalhar pela melhoria desses indicadores. São Paulo também tem conquistado avanços e já foi aprovado projeto de lei que determina o mesmo compromisso dos candidatos com a melhoria dos indicadores.

Um aspecto importante dessas iniciativas é que não partem do poder público, mas são uma conquista dos grupos organizados da sociedade civil, inclusive com forte participação empresarial nos casos de Bogotá e São Paulo. Além disso, não há conotação político-partidária e não se constituem em espaço de manobra do candidato X ou Y à prefeitura. Indicadores reduzem a perspectiva de inferências politiqueiras e partidárias na discussão da gestão pública, apesar de nunca serem completamente isentos por definição, pois não existe neutralidade científica total e por reproduzirem valores e desejos quanto à cidade que se idealiza adequada para viver.

O papel da mídia também é central nessa iniciativa, não só através dos grandes canais de comunicação, mas também via uma rede de inúmeros jornais e rádios comunitários e de bairro. Em Bogotá, o periódico mais lido em toda a Colômbia, El Tiempo, divulga sistematicamente os indicadores da cidade. Em São Paulo, a comparação desses indicadores foi capaz de revelar o fato de que bairros como Pinheiros, de elevada renda per capita, recebem até vinte mais recursos da prefeitura do que regiões periféricas e pobres como Parelheiros. A desculpa dos gestores públicos é que há mais equipamentos públicos nesses bairros. No entanto, isso revela não apenas os equívocos de um determinado mandato, mas de décadas de governos focalizando, propositalmente ou não, os mais abastados, em detrimento daqueles que mais dependem da oferta de serviços públicos.

Mas nem tudo são flores, há muitos desafios na construção de projetos como esses. Nada adianta produzir indicadores se a sociedade civil não os incorpora à sua discussão e percepção do que pensam sobre a cidade. Sobretudo nas instâncias de gestão participativa dos municípios, como é o caso dos conselhos municipais que têm se instalado nas áreas de saúde, educação, infância e adolescência, meio ambiente e segurança pública, esses indicadores podem servir para dotar os cidadãos de maior poder de debate e negociação frente aos técnicos de governo. Por outro lado, indicadores podem também se tornar refúgio para o pensamento tecnicista, que monopolizaria o poder através de seu conhecimento formal. Para tanto, projetos educacionais precisam se desenvolver a partir desses indicadores, fazendo com que pessoas com baixa escolaridade e sobretudo os jovens, possam voltar a se interessar pela política, tão em descrédito atualmente. Expressões culturais desenvolvidas pelas comunidades são essenciais para dar visibilidade e novas roupagens aos indicadores, aproximando-os dos grupos periféricos e excluídos das decisões governamentais monopolizadas por aqueles dotados de grande poder político e econômico das cidades.

Brumadinho tem todas as possibilidades para avançar em direção a um maior envolvimento de seus cidadãos no futuro da cidade. Inúmeras pesquisas sobre o município estão disponíveis, mas poucas delas reunidas e sistematizadas para oferecer uma visão integrada e estruturada sobre a cidade. Grupos sociais e indivíduos comprometidos com a melhoria da qualidade dos serviços públicos já atuam intensamente em vários conselhos e espaços de gestão participativa da cidade. Resta articular e organizar esses grupos e indivíduos. Diferentes canais de comunicação, como os jornais e rádios locais, já atingem o cidadão em seu cotidiano.
Estou decididamente disposto a apoiar aqueles que desejarem implementar essa iniciativa no município. Informações sobre a experiência de São Paulo podem ser obtidas no sítio www.nossasaopaulo.org.br e outros dados podem ser recebidos enviando mensagem para teodosio@pobox.com.

Permanece assim uma pergunta que não quer calar: os brumadinenses estão dispostos a construir esse projeto de cidade ou preferem o espaço cômodo de suas poltronas para criticar ou elogiar, sem fundamento maior, o que se faz na gestão municipal? Quando, no futuro, os novos moradores perguntarem “Brumadinho, como vamos?”, o que responderemos? As respostas podem se dar na perspectiva virtuosa colombiana ou podem ser no estilo politiqueiro de sempre. Quais respostas construiremos?

Publicação original: Teodósio, A. S. S. Brumadinho, como vamos?: qual resposta ofereceremos?. In: Circuito Notícias, Brumadinho-MG, no. 167, 31/03/2008.

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