quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Controle Social e a Gestão Municipal: "tem, mas acabou"

Essa expressão, que costuma fazer parte da chacota cujo alvo é a mineiridade, aplica-se bem ao que acontece com o controle social da administração e dos gastos das prefeituras no país. Para muitos dos brasileiros, ora a nação é vista como o “país do futuro”, ora como o exemplo de tudo de pior que uma sociedade pode criar. O debate sobre corrupção padece desse mal na vida política brasileira. Quando se fala de administração pública, o lado pessimista e crítico vem sempre à tona. Mas, infelizmente, a crítica de muitos não passa de palavras jogadas ao vento. Quando se trata de engajar-se mais profundamente em processos de controle social da gestão municipal, a “ira santa” contra corruptos e corruptores morre na primeira dificuldade em compatibilizar uma agenda de compromissos pessoais com um mínimo de tempo para se dedicar aos assuntos comunitários.

Mas nem tudo são dramas e tramas na “Terra Brazillis”. Em Ribeirão Bonito, São Paulo, um grupo de pessoas, cansadas de tanta corrupção ativa e passiva, encoberta e explícita, criou um movimento contra tudo e todos que não queriam mudar o panorama da política municipal. Esse grupo, considerado inicialmente sonhador e ingênuo, hoje mostra para o Brasil que é possível controlar de forma muito eficiente as ações do poder público municipal. A experiência pode ser melhor conhecida através do sítio www.amarribo.org.br. Antes mesmo do combate à corrupção virar tema freqüente nos noticiários, esse movimento já conseguia colocar na parede e levar à exoneração gestores e políticos municipais nada cívicos.

Nos últimos anos, várias iniciativas de modernização da gestão pública avançaram no país. Junto com elas, em uma primeira geração de conquistas, veio um grande entusiasmo quanto à participação popular, formação de conselhos municipais, controle de contas públicas e legislação de responsabilidade fiscal, dentre outras inovações. Mas as experiências de avanço da cidadania participativa no país mostram que é preciso caminhar mais. Com o maior rigor das promotorias públicas e dos órgãos de controle orçamentário, a legislação e fiscalização se tornaram mais incisivas no combate à corrupção nas prefeituras. No entanto, prefeitos mal intencionados, assessorados por técnicos qualificados e ainda mais mal intencionados, podem criar novas artimanhas para mostrar que “não existe nada de podre no reino da Dinamarca”. Por isso é que em muitas localidades brasileiras o controle social “tem, mas acabou”: existe formalmente, mas não passa de procedimentos burocráticos e pouco diz respeito ao cotidiano dos moradores das cidades.

O controle social só conseguirá evoluir para além de regras e mecanismos de punição formais quando for concebido pelas comunidades como tarefa inerente a todo e qualquer indivíduo que se considere efetivamente cidadão. Apesar dessa empreitada levar anos e gerações para se consolidar, muitas mudanças já estão acontecendo em vários municípios do país, inclusive em Brumadinho.

Conselheiros municipais não alinhados com interesses da prefeitura começam a ganhar experiência nas malícias dos conselhos e colocar secretários municipais contra a parede. Jornais independentes e corajosos agem como contraponto à propaganda disfarçada de informação pública oficial da prefeitura. Empresas cansadas de desenvolver projetos sociais para cobrir ausências injustificadas da prefeitura, como a Vale do Rio Doce, começam a treinar e formar conselheiros especializados em análise da gestão e das contas dos municípios na área de infância e adolescência. Comunidades indignadas com tanto falatório e promessas vazias de políticos engajam-se em movimentos e redes sociais, tornando visível para a cidade os problemas que afetam os invisíveis sociais: pobres, excluídos e descriminados.
Iniciativas que podem parecer utópicas, mas que são prática corriqueira em muitos países, como a abertura voluntária do patrimônio pessoal dos candidatos para escrutínio público e o depósito em juízo do programa de governo, com o compromisso formal de cumprimento das promessas de campanha, poderiam representar uma mudança significativa na forma como se pensa e faz política em Brumadinho.

Infelizmente, os pessimistas vão dizer que, caso isso efetivamente acontecesse, não apareceria nenhum candidato à prefeitura. Mas para os otimistas, esse seria um passo mais decisivo em direção ao país do futuro, com o qual todos brasileiros aprenderam a sonhar. Os cidadãos indignados da pequena Ribeirão Bonito em São Paulo não esmoreceram com o que parecia uma utopia desvairada e hoje ensinam a cidades como Brumadinho que controle social, ao contrário das mercadorias das lojas, não pode “ter, mas acabar” e, sim, ter e ter cada vez mais.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. Controle Social e a Gestão Municipal: "tem, mas acabou". Circuito Notícias. Brumadinho/MG: 29/02/2008, ano 13, no. 166, p. 2.

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