segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Feliz Ano Novo, Moçambique

Para os que sentiram a minha falta nos artigos, se é que sentiram, peço desculpas, mas estive em terras da África no final do ano passado, mais especificamente em Moçambique e na África do Sul. É para nossos compadres de língua portuguesa no sudeste do continente negro que dedico esse artigo.

Como a paródia do primo pobre e do primo rico, encontrei um Moçambique que hoje parece viver sob a sombra de dois países considerados emergentes, Brasil e África do Sul, e da rivalidade com uma Angola cheia de negócios e atividades empresariais. Basta cruzar a fronteira para perceber a diferença gritante entre ruas, estradas, casas, repartições públicas e pessoas sul-africanas e moçambicanas. Nas terras de Mia Couto perdura a miséria, a pobreza, a sujeira e a inapetência. Como se não bastasse, o Brasil varonil, que todos nós brasileiros conhecemos pelas entranhas e sabemos que não é tão bom quanto parece (nem tão horripilante quanto muitos teimam em afirmar que seja), é outro espectro que paira sobre o estigma de ser moçambicano e viver em uma nação rica em recursos naturais e ainda enfrentar graves problemas de desenvolvimento em todas as suas dimensões (econômica, ambiental, social, política e cultural). Mas, essas não seriam leituras fáceis, rápidas e injustas para com nossos colegas das terras de Mussa Ben Mbiki (xeique muçulmano que governava parte do país até a chegada dos portugueses e do qual deriva o nome Moçambique conforme pronúncia no nosso idioma)? Creio que sim. O etnocentrismo e a patriotada vêem de menos se espera. Nós, brazucas, que sempre sofremos com a visão ensimesmada dos países desenvolvidos sobre os periféricos, reproduzimos isso ao olharmos para aquilo que um dia já fomos e que, a duras penas, temos deixado de ser, uma nação pobre, com milhares de pessoas vivendo em condições precárias e incapaz de criar processos virtuosos de desenvolvimento.

Não é a toa que nas propagandas turísticas de Moçambique aparece sempre o slogan de que é a “Nação do Sorriso”. Riso e alegria presentes nas crianças sempre faceiras a brincar em praças e lugares com alto potencial turístico, mas degradados pela inoperância governamental, a insensibilidade das empresas privadas e incapacidade de organização da sociedade civil no país. No outro lado da fronteira física, aparece a África do Sul dos grandes safáris, cidades de grande porte, fazendas belíssimas de origem holandesa e do credo presbiteriano. Incrível reconhecer também que vi de tudo na África, menos as manifestações religiosas que no Brasil denominamos de africanas, bem escondidas pelo estigma de ser africano pobre e pouco desenvolvido, não só economicamente, mas social e culturalmente. Na fronteira do imaginário social, aparece o Brasil de Lula e da inclusão de milhões de pobres no mercado de consumo, das grandes empresas do setor mineral e petrolífero e da economia bem gerenciada macroeconomicamente. As mazelas desses dois emergentes de pés sujos parecem passar despercebidas pela construção social moçambicana acerca de seus “primos ricos”. Mal sabem nossos compadres lusófonos que essa mesma África do Sul pouco gerou de riqueza para os seus filhos mais pobres com a mirabolante Copa do Mundo de Futebol e que nós no Brasil vamos pelo mesmo caminho.

Terra bruta, onde tudo parece ainda por construir, Moçambique esconde um povo também cordial, como nós brasileiros, com tudo de bom e de ruim que essa cordialidade analisada por Sérgio Buarque de Hollanda tem nos provido. Nação invadida pelas ONGs internacionais, ou melhor, colonizada por organizações sem fins-lucrativos que fazem de tudo por lá, menos o essencial, e que imita dezenas de políticas públicas brasileiras bem e mal sucedidas, Moçambique abriga rico potencial humano, demonstrado pela qualidade da discussão e dos debates com os alunos que de lá tive o prazer de conviver. Terra de um islã que coexiste sem maiores sobressaltos com católicos e hindus, hoje também abriga dezenas de credos evangélicos exportados do Brasil, tanto aqueles com autêntico compromisso espiritual quanto aqueles mais interessados no bolso dos seus fiéis.

Feliz ano novo, Moçambique de minhas saudades! Que 2011 seja um tempo de fortalecimento da sua sociedade civil para que consigam fugir do lugar comum de responsabilizar governantes pelas suas mazelas sociais e ambientais, criticar a sabida inoperância das grandes ONGs  e sonhar com um “capitalismo maravilha” vindo da iniciativa privada. As sementes dessa sociedade civil africana já estão plantadas, resta germinarem e florescerem sob o imponente sol de África. 

Publicação original: Teodósio, A. S. S. Feliz Ano Novo, Moçambique. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 27 jan 2011.

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