quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Câmara e a Democracia em BH

Está tramitando na Câmara Legislativa Municipal de Belo Horizonte um controverso projeto de lei que reduz significativamente a autonomia dos conselhos municipais de políticas públicas. O argumento principal dos vereadores que apóiam o projeto é o de que os diferentes conselhos municipais da cidade detém poder demais, se tornaram espaços de manipulação política e engessam aqueles que seriam os verdadeiros representantes legítimos do povo, porque forem eleitos para tal, os vereadores. Entre os apoiadores desse projeto encontram-se vereadores que, pelo menos no nível do discurso, afirmam seu compromisso com a transformação social, a modernização das políticas públicas e a própria democracia.

Não se pode negar que vários conselhos de políticas públicas operam com vários problemas em Belo Horizonte e em várias outras cidades brasileiras. Clientelismo, paternalismo, jogo político-partidário em detrimento dos interesses públicos e representação de organizações da sociedade civil que se fazem presentes nessas instâncias apenas para competir por recursos e não para discutir o avanço das políticas públicas são alguns dos muitos problemas, que se somam na experiência brasileira de se construir a gestão pública através de conselhos. Além disso, nos últimos anos a democracia participativa em Belo Horizonte parece viver uma certa “ressaca”, deixando saudades daquele vigor e atuação que já teve no passado.

No entanto, nada justifica a retirada de autonomia dos conselhos em Belo Horizonte, ou em qualquer outra cidade brasileira. Essa iniciativa de projeto de lei carrega em si vários equívocos, problemas e armadilhas, além de deixar transparecer claramente o baixo nível de compromisso desses legisladores municipais com a democracia, aquela mesma que utilizam para afirmar sua legitimidade como representantes do povo. Se problemas de ordem ética e pública fossem argumento para a retirada de autonomia de qualquer órgão público, então deveríamos pleitear também a retirada de poderes do Legislativo, do Executivo e mesmo do Judiciário no Brasil, face aos recorrentes escândalos de corrupção que todos os dias aparecem nos noticiários. A solução não é essa e se isso vale para a Câmara Legislativa de Belo Horizonte, também tem que valer para os conselhos municipais de políticas públicas. Se operam mal, cabe modernizá-los, mas não destruí-los, retirando sua autonomia. Sem a sua autonomia, conquista histórica das lutas democráticas no país, os conselhos terão um apagado papel e baixíssimo impacto na construção de políticas públicas locais. A quem interessa que os conselhos municipais operem desta forma em Belo Horizonte?

Os conselhos municipais de políticas públicas no Brasil, e como não podia de ser diferente, também em Belo Horizonte, são fruto de uma conquista histórica dos movimentos sociais na sua luta para ampliar a democracia. Em qualquer democracia madura e avançada, como a brasileira tem se esforçado por se tornar, nunca apenas o critério representativo (eleições para escolha de representantes; no caso, em questão, os vereadores) é aquele que orienta a dinâmica de discussão e ação pública. Soma-se à democracia representativa, a dinâmica participativa, que precisa se materializar através de conselhos, fóruns, comitês e outras instâncias de gestão pública. Caso isso não aconteça, os poderes Executivo e Legislativo permanecem insulados em suas regras, normas e procedimentos, dizendo ao povo o que deve fazer, mas nem sempre construindo um diálogo horizontal e democrático com o próprio povo que os elegeu. Assim, não cabe cobrar procedimentos representativos e semelhantes aos da democracia representativa para a participação em conselhos municipais. A legitimidade se conquista nesses espaços, como os dos conselhos, pela iniciativa, pró-atividade e capacidade de apresentar idéias avançadas para a modernização das políticas públicas.

Além disso, a democracia participativa através dos conselhos são uma das expressões mais modernas na busca de uma gestão pública efetiva, que se modernize e passe a construir propostas e planos de ação capazes de efetivamente dar resultados. A pré-condição para isso é que partam do diálogo com a sociedade civil. Quando comunidades, organizações não-governamentais e cidadãos são efetivamente ouvidos e participam realmente da construção de políticas públicas, o apoio a sua implementação e operação são capazes de gerar resultados efetivos nas políticas públicas. Assim, a existência de instâncias de democracia participativa são também um elemento avançado de fazer as políticas públicas funcionarem melhor e trazerem melhores resultados para as cidades. A quem interessa que as políticas públicas em Belo Horizonte sejam menos efetivas?

Infelizmente, os apoiadores desse nefasto projeto de lei parecem conceber a democracia e as relações com a sociedade civil como um jogo de soma zero, ou seja, para que a Câmara Legislativa de Belo Horizonte tenha poder é preciso que retire poder dos conselhos de políticas públicas. Em um momento da democracia brasileira que se busca a construção de diálogos tri-setoriais (governos, ONGs e empresas construindo juntos políticas públicas) e cada vez mais os indivíduos se mostram preocupados e atuantes quanto aos problemas de suas cidades, mas sem necessariamente quererem agir através de partidos políticos e cargos no Executivo e Legislativo, alguns (infelizmente muitos) vereadores querem fazer retroceder a autonomia dos conselhos municipais. Felizmente, a sociedade civil, o Executivo e mesmo o Judiciário estão muito atentos a esse projeto de lei e já fazem forte oposição a ele. Você, caro eleitor, dirá “eu acredito” a qual proposta: a de alguns vereadores da Câmara Municipal de Belo Horizonte ou às organizações não-governamentais democráticas de nossa cidade?

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Câmara e a Democracia em BH. Hoje em Dia / Caderno Eu Acredito!, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 31 dez. 2009.

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