quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Disputa pelos Pobres II

No artigo anterior, discutimos a proposta dos chamados “Negócios Inclusivos” e seus desafios na promoção de trabalho e renda de forma digna para populações que têm dificuldade de se inserir no trabalho. Esse público é constituído por pessoas pobres. Continuamos a discussão com o que podemos chamar de o “primo-rico” dos “Negócios Inclusivos”, a Base da Pirâmide ou BOP. Essa proposta é originária do cenário estadunidense, tendo como grande guru C. K. Prahalad, o multiespecialista que escreve sobre quase tudo um pouco, e outro pesquisador mais sério, Stuart Hart.

A BOP implica na entrada de grandes corporações como fornecedoras, contratadoras ou mesmo parceiras de vários empreendedores que surgem entre as populações pobres. Baseia-se na descoberta de que uma economia informal, periférica e produzida pelas populações pobres movimenta recursos significativo. Isso têm despertado a atenção de inúmeras corporações transnacionais.

Não se pode negar que o acesso a produtos e serviços pode melhorar a qualidade de vida das populações pobres e também favorecer inúmeros empreendimentos que estariam inviabilizados sem esses recursos. Acesso a água, energia elétrica, internet e telefonia celular são alguns dos fatores essenciais que os pobres merecem acessar, inclusive com qualidade, sofisticação tecnológica e beleza. Caso não admitamos isso, estaremos sendo hipócritas e assistencialistas. No entanto, muitos desses recursos não são apenas produtos e serviços a serem consumidos, mas acima de tudo direitos ligados à vida digna e sobrevivência humana. Ainda assim, essa defesa da BOP não parece dar conta do seu maior risco.

As estratégias da Base da Pirâmide trazem mais riscos do que possibilidades para a efetiva promoção de trabalho e renda em condições decentes para os pobres. O que parece chamar mais a atenção é como conseguir vender para os pobres, tanto que um caso emblemático, usado como material didático nas aulas de MBA nos Estados Unidos, é de uma empresa brasileira muito conhecida, que vende milhares de produtos para os pobres, mas com juros exorbitantes.

O risco das estratégias da Base da Pirâmide levarem as grandes corporações a capturarem os negócios informais construídos pelos pobres é grande. Além disso, muitas dessas corporações não estão interessadas em efetivamente contratar os pobres em seus processos de distribuição de produtos e serviços, mas sim utilizar das estratégias que tais populações desenvolvem para produzir e consumir, forçando-os a trabalhar como distribuidores independentes dessas corporações, como uma empresa brasileira no setor de perfumaria, celebrada mundialmente como ecologicamente correta, faz sistematicamente com seus vendedores. No entanto, o maior problema está ligado ao fato de não ser nada salutar para a pobreza e para a democracia que milhões de pobres no mundo sejam dependentes de algumas poucas grandes corporações.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Disputa pelos Pobres II. Hoje em Dia / Caderno Eu Acredito!, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 26 nov. 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário